Mobilidade

Portos brasileiros sofrem ‘invasão’ de carros chineses

Previsão de novas tarifas dificultaram o plano de muitas montadoras de veículos elétricos no país - como as chinesas BYD e Great Wall Motors

Os portos brasileiros estão cheios neste ano com mais de 70.000 veículos elétricos chineses não vendidos, em um sinal de como está se tornando difícil para as montadoras da China manterem seu crescimento robusto.

Empresas como a BYD e a Great Wall Motors têm ambições globais, e o Brasil se tornou um campo de provas crucial com muitas outras grandes economias se voltando para o protecionismo. O país é o sexto maior mercado automotivo do mundo e o sucesso no país pode impulsionar as perspectivas em toda a região.

Cerca de 70.000 elétricos chineses não vendidos estão nos portos brasileiros em um sinal de como está se tornando difícil para as montadoras chinesas manterem seu crescimento robusto (Foto: Leonardo Lara)

Mas depois de conquistar o setor de veículos elétricos do Brasil, as montadoras chinesas estão enfrentando desafios cada vez maiores. O excesso de carros nos portos se deve ao fato de eles tentarem evitar novas tarifas.

Os concorrentes nacionais responderam com opções de veículos elétricos adicionais e investimentos. Além disso, a taxa de crescimento de carros elétricos do país está esfriando, como em grande parte do mundo.

A “lua de mel acabou”, disse Alexander Seitz, presidente executivo da unidade sul-americana da Volkswagen AG, que vende carros no Brasil desde a década de 1950 e produz alguns dos modelos com motor a combustão mais vendidos no país.

A BYD está a caminho de ultrapassar US$ 100 bilhões em vendas este ano, e o Brasil é uma grande parte desse mercado. É o maior mercado externo da empresa por uma ampla margem, já que ela enfrenta a resistência dos governos dos EUA e da Europa.

Na década passada, o Brasil tornou os veículos elétricos e híbridos isentos de um imposto de importação de 35% sobre os veículos em uma tentativa de impulsionar o setor. Isso atraiu os fabricantes de automóveis da China, que basicamente criaram o mercado para eles em um país com mais de 200 milhões de habitantes.

Os fabricantes locais – todos subsidiários de empresas globais como a General Motors – haviam ignorado em grande parte os modelos elétricos e híbridos.

A BYD apresentou seus primeiros carros ao Brasil em 2021 e acelerou as exportações no ano passado. Com seu modelo de menor custo por apenas R$115.800 (US$ 19.100), a empresa rapidamente ganhou participação de mercado por ser mais barata do que os veículos movidos a gasolina da concorrência.

Os fabricantes nacionais reagiram e reduziram os preços de alguns modelos em até 30%.

O governo brasileiro começou a restabelecer os impostos um ano depois em 10%, com planos de aumentá-los gradualmente para 35% até meados de 2026.

Em resposta, a BYD inundou o Brasil com veículos antes das tarifas. No início de novembro, um executivo da empresa disse que havia 35.000 carros restantes nos portos, o que representa cerca de quatro meses de estoque.

Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da divisão brasileira da BYD, disse que tudo isso fazia parte de um plano para se antecipar às tarifas para manter os preços e reagir contra o que ele chamou de uma indústria doméstica “ultrapassada”.

“Abalamos o mercado automotivo brasileiro a ponto de causar muito medo em nossos concorrentes”, disse Baldy em uma entrevista. “É o desespero total da concorrência”.

O navio de carga BYD Explorer No. 1 pode transportar até 7.000 carros. A empresa o utilizou para levar veículos ao Brasil antes das tarifas

A participação dos motores eletrificados no total de vendas de carros no Brasil quase dobrou para 7% em janeiro em relação ao ano anterior, mas permaneceu mais ou menos nesse nível desde então, de acordo com a associação de montadoras Anfavea.

Até outubro, as montadoras venderam cerca de 2 milhões de veículos e aproximadamente 140.000 eram unidades eletrificadas.

Encontrar novos clientes dispostos a comprar um VE em um país que está apenas começando a construir estações de recarga está se tornando mais difícil. Além da preocupação com a distância que um carro elétrico pode percorrer com uma única carga, o Brasil é um país grande, com grandes distâncias entre os centros populacionais.

“Precisamos expandir nossa infraestrutura”, disse Ricardo Bastos, diretor de relações governamentais da Great Wall Motor no Brasil. “As vendas estão boas hoje, mas têm potencial para crescer ainda mais se nossa infraestrutura se mantiver.”

Para acelerar a adoção, a BYD e a Great Wall Motor estão se tornando mais agressivas rumo a 2025. Ambas planejam abrir fábricas no Brasil.

Para a BYD, a expectativa é que isso ocorra em março, quando sua primeira fábrica de carros elétricos fora da Ásia deve começar a produzir carros. No local de uma antiga fábrica da Ford, a BYD está investindo R$ 5,5 bilhões (US$ 1,1 bilhão) e espera que em dois anos a fábrica esteja produzindo 300.000 carros por ano. Em Anápolis, a CAOA investiu R$ bilhões recentemente para expandir sua produção de híbridos e elétricos.

A BYD também disse que está dobrando o número de concessionárias que possui no país. Eles promoverão uma frota com cerca de uma dúzia de modelos. Isso inclui o que a empresa diz ser a primeira caminhonete híbrida do mercado, que estreou em outubro.

Enquanto isso, a Great Wall Motor, que deve ultrapassar US$ 28 bilhões em vendas este ano, espera começar a operar em maio em uma antiga fábrica da Daimler, parte de um plano para investir R$ 10 bilhões (US$ 1,6 bilhão) ao longo de aproximadamente uma década.

(Fonte: Bloomberg)

Outras empresas chinesas também anunciaram recentemente planos de expansão para o Brasil, em meio a uma onda de fortes barreiras fiscais na Europa e nos Estados Unidos. No início deste ano, o governo Biden elevou as tarifas sobre os VEs importados da China de 25% para 100%, a fim de proteger a indústria automobilística dos EUA do que alegou serem práticas comerciais injustas.

A Omoda e a Jaecoo, marcas de propriedade da Chery planejam lançar vários modelos no Brasil até 2026. A GAC promete investir cerca de 6 bilhões de reais (US$ 1 bilhão). A NETA, ligada ao grupo Hozon New Energy Automobile, está entrando no mercado. E a Zeekr, da Geely Automotive Holdings, começou recentemente a apresentar modelos premium no país.

“Os chineses tentarão conquistar este país do ponto de vista automotivo, e temos que ver como lidar com isso”, disse Seitz. “No final das contas, a concorrência é sempre boa, ela nos força a reconsiderar as coisas.”

Os participantes estabelecidos, incluindo a Volkswagen, a Toyota e a Renault, anunciaram mais de R$ 100 bilhões (US$ 20 bilhões) em investimentos até o final desta década. A maior parte do dinheiro está planejada para desenvolver híbridos, incluindo soluções flex que combinam eletricidade com um motor de combustão movido a gasolina e etanol, um combustível produzido localmente a partir das plantações de cana-de-açúcar do Brasil.

A Stellantis, proprietária de marcas tradicionais como Fiat, Jeep e Peugeot, planeja começar a vender modelos de veículos elétricos de sua parceira chinesa Leapmotor no Brasil no início do próximo ano.

Antes da introdução dos novos impostos sobre veículos eletrificados importados, os chineses não “jogavam sob as mesmas condições”, disse Emanuele Cappellano, diretor de operações da Stellantis na América do Sul.

Como o restante do setor automotivo nacional do Brasil, Cappellano está apostando que isso ajudará a equilibrar o campo de jogo.

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