Brasil

Fazendeiros da Bahia montam células para enfrentar “Abril Vermelho” do MST

Apesar do movimento, proprietários de terra negam que estejam se armando para receber eventuais invasores

A origem do movimento foi na cidade de Santa Luzia, onde um pequeno grupo de fazendeiros conseguiu impedir a invasão dos sem-terra.

Desde então, o movimento cresceu e associações e sindicatos rurais têm servido de base para reuniões.

Mais recentemente, prefeituras de outras regiões do estado aderiram.

O presidente do Consórcio Chapada Forte, Wilson Paes Cardoso, prefeito de Andaraí, no centro do estado, divulgou uma nota dizendo apoiar a reforma agrária.

Ele diz, no entanto, “ser a desapropriação o caminho correto e que por este motivo discorda veementemente de qualquer ato de invasão ou ocupação por tratar-se de ação que fere garantia constitucional, o direito de propriedade e gera insegurança jurídica”.

Sindicatos rurais têm organizado encontros apoiados pelo time jurídico da Federação de Agricultura do estado da Bahia para “tratar de assuntos referentes às invasões de terra em nosso estado”.

Um dos organizadores do movimento é o fazendeiro Luis Uaquim, que produz cacau e cria gado em Ilhéus.

“O movimento é uma reação ao governo que vai ter que se adaptar a muita coisa que ele acha que poderia fazer mas não pode mais”, afirma Uaquim.

“O dia 1º de abril é chave. O MST chama de Abril Vermelho porque gostam de deflagrar invasões. Faremos vigília. No governo passado eles [MST] pararam porque o governo não deixava. Então, estamos nos organizando e esse movimento está ganhando corpo e dimensão nunca antes vista. É uma bomba pronta para explodir porque pode haver conflito na hora de retirar os invasores”, continua o fazendeiro.

Ele nega, porém, que esses grupos ruralistas estejam se armando.

“O grupo é muito claro. Não pode ter arma de fogo. A gente aposta na pressão. Se eles entraram na fazenda com 100 [pessoas], nós apertamos o botão do grupo e vamos para lá com 1.000 pessoas”, explica.

Correlação de invasões

Na avaliação do fazendeiro Luis Uaquim, “a mudança de governo na esfera federal trouxe de volta uma política –apoiada pelo PT– das invasões de terra, que acaba sendo pior na Bahia porque o PT governa o estado há 16 anos, então, o MST encontra aqui solo fértil para invadir”.

Ele também afirma que “onde tem governo do PT há uma resistência do governo em ajudar”, por isso o grupo ganhou corpo.

De acordo com o Incra, foram comunicadas ao órgão 16 invasões neste ano no país, sendo seis em São Paulo, dez na Bahia e uma no Espírito Santo.

Como a comunicação não é obrigatória, os números não necessariamente não refletem a realidade, mas a forma como se deu o desfecho aponta que em governos mais à direita, como em São Paulo, a retirada acaba sendo mais rápida do que nos governos mais à esquerda, como o da Bahia.

Ajuda neste cenário o fato de governadores mais à direita no espectro político terem sinalizado que não tolerariam invasões.

No dia 7 de março, em evento de posse do novo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), antiga liderança ruralista, disse que “enquanto for governador de Goiás, não terá invasão de terra no estado”.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), divulgou vídeo no dia 11 de março dizendo que a “cerca deve ser respeitada”.

“Nós fazemos questão de dar paz para o homem do campo através de uma segurança reforçada e inibindo qualquer tipo de invasão. Cerca existe para ser respeitada. Aqui em Minas não vamos tolerar invasão. O homem do campo precisa de segurança e paz para trabalhar”, disse Zema.

O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), disse que haverá “tolerância zero” com o movimento. E em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) acabou preendendo um dos líderes da Frente Nacional de Lutas, José Rainha, após uma onda de invasões durante o carnaval.

Governo x MST

Em Brasília, por outro lado, as declarações do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, são no sentido da defesa da legalidade. “As políticas do presidente Lula vão na direção da aceleração do programa de reforma agrária para diminuir os conflitos e garantir a paz no campo”, disse o ministro à CNN.

A distribuição das superintendências estaduais do Incra, responsável pela reforma agrária, tem sido feita com aval do movimento.

Na Bahia, por exemplo, foco maior da tensão, foi nomeado um ex-vereador de Cruz das Almas, Carlos José Barbosa Borges, filiado ao PT. Ele foi indicado pelo deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), principal liderança ligada ao MST dentro do Congresso Nacional.

Além disso, o governo deixa claro a ligação com o movimento. No dia 17 de março, cinco ministros de Estado foram até a 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico em Viamão, no Rio Grande do Sul.

Toda a direção nacional do movimento esteve reunida no evento, além do ministro Paulo Teixeira.

Lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra com quem a CNN conversou confirmaram que deverão ocorrer invasões país afora em abril e que considera haver um ambiente mais confortável a isso com a mudança de governo de Bolsonaro para Lula.

Mas ressaltam que há a leitura de parte do movimento de que desencadear uma série de invasões pode acabar fortalecendo a oposição ao governo e tensionando ainda mais o ambiente político.

O cálculo é, portanto, não radicalizar a ponto de fragilizar o governo no qual o movimento tem proximidade.

E utilizar a movimentação para pressioná-lo por um plano nacional de reforma agrária que contemple um cronograma de assentamentos durante todos os quatro anos do atual governo.

Nas contas do movimento, há cerca de 100 mil famílias acampadas no Brasil, das quais 80% são vinculadas ao MST. A maior parte está situada na região Nordeste.

O MST também cobra que as nomeações para as superintendências regionais do Incra, órgão responsável pelos assentamentos, sejam aceleradas.
O Incra não informou quantas já foram trocadas, mas nas contas do MST, isso ocorreu em menos da metade das 29 existentes no país.

CNN procurou oficialmente o MST, o Incra e o governo da Bahia, mas eles não se manifestaram.

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