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Decisão do STF sobre responsabilidade de veículos de comunicação é um labirinto

Por Taís Gasparian

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a possibilidade de responsabilização civil dos veículos de comunicação que divulgarem entrevistas com acusações falsas é ruim. Por mais que se tente encontrar pontos positivos, como a redução de danos em relação à tese original, que era ainda pior, o resultado é desanimador, porque confunde.

mensagem do STF à socieade precisa ser cristalina, direta. A Constituição contém a palavra “censura” em dois momentos do texto, para vedá-la. E proclama que a liberdade de expressão é plena. Esse é o texto. Não cabem conjunções adversativas — mas, porém, contudo — quando se trata desse princípio. Ao abrir exceções, estabelecendo duas condicionantes (os tais “indícios concretos” e o “dever de cuidado”), a decisão torna-se labiríntica. Quão precisos são esses termos?

“Indício concreto” é expressão contraditória em si mesma. Infeliz. A decisão também é redundante. Veículos de comunicação e jornalistas já têm como dever a cuidadosa apuração. A imprensa tem compromisso com os fatos verdadeiros. Trata-se de princípio ético da própria atividade. Quem não segue isso não faz jornalismo e já seria punido mesmo sem a decisão. O Supremo vinha mostrando ter discernimento sobre essas circunstâncias, mas agora embaralhou-se. Nem socorre o argumento de que há diversos veículos que propagam falsas acusações e que a estes é dirigida a decisão, porque não se pode legislar nem estabelecer teses de repercussão geral sobre exceções de comportamento.

Esse é um ponto crucial: o caso que deu origem ao julgamento foi classificado como de repercussão geral. Isso significa, em termos de sistemática jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos das partes e suscita questão relevante para todos. O efeito é que a decisão é vinculante, ou seja, ela obrigatoriamente deve ser aplicada pelos magistrados do país. Está aí a tempestade armada, porque o caso originário não mereceria essa classificação. Firmou-se uma tese de que veículos podem ser responsabilizados por entrevistas veiculadas.

De acordo com o site do tribunal, há pelo menos 119 processos suspensos aguardando essa decisão. Num deles, uma mulher deu uma entrevista narrando episódios de violência patrimonial, emocional e física praticada por seu ex-marido, que é o autor da ação. Não há referência ao nome dele na entrevista, mas o homem alegou ser identificável por conhecidos. Em um outro, um prefeito de uma pequena cidade processou um jornal por ter veiculado entrevista em que diversas pessoas diziam que ele, prefeito, estaria por trás de um ataque a tiros sofrido pelo periódico.

Não é necessário entrar nos detalhes dos casos para saber que ambas as histórias são plausíveis, infelizmente; que os assuntos são de interesse público; que mais valia noticiar os fatos rapidamente, para alertar as autoridades e a população, do que promover uma investigação das denúncias, o que nem é tarefa da imprensa. À imprensa cabe fazer soar o alarme, funcionando como um cão de guarda.

A ausência de uma reflexão estruturante sobre a liberdade de expressão é marca registrada do país. A falta de amadurecimento da discussão desse tema é nociva e, não por outra razão, a desinformação corre solta. Recentemente, tem havido uma louvável tentativa, por parte de entidades da sociedade civil, de suprir essa lacuna, o que se mostra essencial sobretudo quando as tentativas de “desdemocratização” do Estado impõem que a população e as instituições tenham consciência do significado e da importância do princípio. Nesse contexto, a decisão do STF cai como uma bomba. Se o presidente da corte precisa vir a público “esclarecer” a decisão, é porque o resultado é complicado e duvidoso.

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