Artigo

DA ELITE DO ATRASO AO TORTO ARADO  

By Moacir de Melo

Torto Arado é o nome do livro do escritor brasileiro Itamar Vieira Júnior que retrata, através de duas personagens femininas (Bibiana e Belonísia), suas histórias de vidas com atribulações promovidas pelas desigualdades raciais, sociais e de gênero em nosso país, além, também, de retratar as resistências ancestrais das lutas dos povos quilombolas bem como de toda uma nação composta por negros remanescentes da desorganizada libertação dos escravos em 1888, fato que deixou uma grande nação de negros à sua própria sorte, sem qualquer amparo, além de desarrumar a economia do país de então.

Na expressão do escritor, Torto Arado representa um instrumento do passado arcaico e obsoleto que simboliza a permanência do passado colonial dentro da visão ideológica de que um arado torto, deformado, que não penetra a terra deixa-a infértil, destruída e dilacerada.

O livro é baseado nas vivências do escritor diante da pobreza, falta de moradia e, principalmente, falta de acesso à educação. Vale ressaltar o esforço do personagem Zeca Chapéu Grande para convencer o prefeito a levar educação, através de uma escola, aos trabalhadores da comunidade onde vivem os personagens. O livro é sucesso de vendas e de crítica, foi contemplado com o prêmio Jabuti de Romance Literário e Jabuti Literário. Publicado no exterior em 2020 foi traduzido para mais de 20 idiomas.

E por que o livro é sucesso de Vendas? Simplesmente porque ele retrata, apesar de contemplar os anos 1930-40, o momento sempre atual da sociedade brasileira. Ou seja, nada ou pouca coisa mudou, em suas desigualdades crônicas sem procurar solução e isto concorre para que os sofrimentos de muitos concorram para a riqueza de outros poucos. Sim, apesar de sermos uma nação constituída basicamente de três raças: branco português, indígenas e africanos, com a abolição da escravidão de maneira atabalhoada, uma destas raças, a negra, fora deixada à margem do contexto sócio-econômico da nação brasileira e à sua própria sorte: sem reparo, sem terra, sem casa, sem educação escolar, jogo muito duro. Está aí, então, a base estrutural para a desigualdade que desafia gerações, na visão do escritor.

Já com o mesmo sentimento, o escritor sociólogo brasileiro Jessé Souza publicou, em 2017, o livro de título “A ELITE DO ATRASO – da Escravidão à Lava-Jato”, em que analisa seu posicionamento sobre o que denomina de pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão.

O livro inicia-se com uma célebre citação de Dom Helder Câmara:

“Se dou comida a um pobre me chamam de santo. Mas quando pergunto por que são pobres, me chamam de comunista”. Na verdade, aqui trata-se de um conceito criado nas cabeças das pessoas por quem não interessava a melhoria geral da nação como um todo, conceito que o escritor, no livro, tenta revisar. Tarefa árdua! Também vale muito a leitura para conhecer a formação econômica e social brasileira.

Analisando o contexto, o escritor é duro nas afirmações:

“O Brasil não simplesmente abandonou os escravos e seus descendentes à miséria. Os brasileiros das classes superiores cevaram a miséria e a construíram ativamente. Construiu-se uma classe de humilhados para assim explorá-los por pouco e para construir uma distinção meritocrática covarde contra quem nunca teve igualdade de ponto de partida.”

Por outro lado, outro fator gerador das desigualdades analisadas são as lutas de classes por privilégios que construiu alianças e preconceitos; além disto, o autor faz um diagnóstico do momento atual (2016-17), batendo forte no que chamou de conluio entre a grande mídia e a então Lava-Jato. Vale a pena a leitura.

Mas, pensando bem, o que nos reserva o futuro? Será que podemos esperar que um dia teremos uma nação educadora? Teremos uma escola pública de qualidade e uma proporcional igualdade de oportunidades para todos? Ou vamos continuar a escravidão de agora e de antes proporcionada pela falta de oportunidades e igualdade na educação, saúde e segurança, sendo certo que a educação nunca foi prioridade para nossos políticos? Até quando será assim? Qual a chance de um menino pobre e negro competir em igualdade de condições? Até porque, grande verdade, os filhos de ricos do passado estudavam em Portugal ou França e hoje estudam nas melhores escolas particulares Brasil afora.

A questão que fica é: Para onde vai a nação e a pátria brasileira?  Enquanto isto, os dependentes do erário público só aumentarão. Hajam bolsas disto e daquilo! Vamos pensar nisto? Fica o convite.
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