Uma iniciativa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem mostrado que, além do consultório, a cozinha também deve ser lugar de médico. Isso é possível por meio da medicina culinária, uma abordagem inovadora que ensina a esses profissionais a importância de cuidar da alimentação como um todo, do preparo dos alimentos à organização da rotina.
As aulas fazem parte do “Projeto MeNu – Medicina Culinária e Nutrição na Atenção Primária à Saúde” e ocorrem dentro de uma cozinha da faculdade. Estudantes e médicos colocam a mão na massa para aprender sobre o autocuidado, o desenvolvimento de habilidades culinárias, o conhecimento de conceitos básicos de nutrição e as estratégias de comunicação entre profissionais e pacientes.
O que é a medicina culinária e o que os médicos aprendem com ela
A primeira abordagem da medicina culinária ocorreu na conferência ‘Cozinhas Saudáveis, Vidas Saudáveis’, realizada em 2007 nos Estados Unidos. Na ocasião, médicos, profissionais da nutrição e da gastronomia foram para a cozinha juntos durante o evento científico.
No Brasil, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira a aderir a medicina culinária como disciplina eletiva em 2018. Já na Unicamp, o tema entrou no currículo em 2022, por meio do projeto MeNu.
As atividades são desenvolvidas na Unidade de Medicina Culinária e Nutrição, no Gastrocentro, com grupos de cerca de 10 estudantes por edição. As aulas de medicina culinária aliam teoria e, principalmente, prática.
Estudantes do quinto ano de medicina, funcionários de unidades de saúde e médicos experientes de todo o Brasil integram o público-alvo desses treinamentos. Eles conhecem a composição dos alimentos e vão um pouco além.
Diferença entre medicina culinária e nutrição
Vale dizer que a medicina culinária não substitui a nutrição. O endocrinologista ressalta que esses diálogos são diferentes, embora aliados: enquanto o segundo está ligado aos valores nutricionais dos alimentos, o primeiro fala sobre o comportamental, do que é colocado em prática no dia a dia.
“O médico não vai prescrever dieta ou fazer avaliação nutricional, dizer que faltam determinadas vitaminas. Não é isso. É conversar sobre estilo de vida e alimentação. São coisas complementares”, esclarece Bruno Gelonese, endocrinologista e professor da faculdade de medicina da Unicamp.
Benefício para médicos e pacientes
A medicina culinária defende que os profissionais de saúde que entendem de cozinha na prática têm mais facilidade em reconhecer a realidade dos pacientes. “Se ele entende como funciona, vai saber se colocar no lugar. Então, é mais ou menos, falar para a pessoa comer mais verduras e legumes, só que ela vai responder que não tem tempo”, pontua Gelonese.
“O médico pode dizer: ‘você gosta de tomate? Então, duas vezes por semana, você vai simplesmente picar um tomate e colocar do lado daquele arroz e feijão que você gosta de comer’. O médico vai falar uma coisa extremamente específica, mensurável, que a pessoa topa, é realista para a vida dela e respeita o tempo que ela tem”.
Aula de medicina culinária detalha grupos de alimentos a estudantes de medicina da Unicamp — Foto: Fernando Geloneze/Unicamp
Dessa forma, também se entende que, ao conhecer essa rotina, o próprio profissional de saúde poderá melhorar alimentação e virar um exemplo. “Você vai num dentista, você fica olhando para o dente dele, não é verdade? Então, você vai em um especialista que quer te dar um conselho de vida e, no mínimo, espera que ela tenha um estilo de vida que corresponda a isso”.
“É uma disciplina relativamente nova no mundo, né? Os próprios alunos aqui da Unicamp são avaliados antes da aula e, depois, conseguem relatar que mudaram o dia a dia deles. O potencial disso, de mudar o dia a dia das pessoas que eles vão atender ao longo da carreira, é uma coisa que, óbvio, não está no nosso alcance por enquanto”, completa o endócrino.